terça-feira, 15 de julho de 2008

Resposta aos pontos nevrálgicos das provocações de Aldo Pereira no texto “Órfãos de Freud”, na Folha de hoje.

É uma inverdade que nenhum psicanalista ousa diagnosticar a histeria atualmente. É sabido que os sintomas histéricos atuais, em geral, não se apresentam mais como as paralisias, as cegueiras e mudezes do final do século XIX, no entanto apresentam-se sob outras formas e com o mesmo diagnóstico, pois diferentemente dos diagnósticos médicos tão minuciosamente descritos nos manuais de doenças mentais, os psicanalíticos não se baseiam nos sintomas, e sim na estrutura psíquica, a saber: neurose (como histeria e neurose obsessiva), psicose (como paranóia e esquizofrenia) e perversão.
Se os complexos e neuroses foram retirados dos Manuais de Doenças Mentais, não significa que houve declínio na formação de psicanalistas e que estes entraram numa corrida pela cientificidade psicanalítica. Houve, certamente profissionais com a lógica cartesiana da ciência exata e mensurável tão incrustrada nos seus valores, que se desesperaram com os discursos que tentavam “atacar” a psicanálise “acusando-a” de ser não-científica, mas houve também profissionais que tranquilamente aceitaram esse lugar de não-ciência, mais próximo da filosofia, que a psicanálise oferece.
Se hoje a medicina tenta injeitar a psicanálise, digo que o mesmo ocorre com a psicanálise em relação à medicina. São incompatíveis e não há nada de errado nisso. A cura pode estar ligada a tantas coisas, inclusive a crenças, sem dúvida.
Quanto à formação do psicanalista, que pode ter qualquer curso superior, inclusive medicina, há tentativas das instituições formadoras idôneas e respeitáveis de se cercar de critérios e cuidados para que se forme um bom psicanalista, mas como em toda área do conhecimento, há boas e más formações, boas e más instituições formadoras, bons e maus alunos, digo em termos de qualidade, nenhum valor moral está implícito aqui.
O tratamento psicanalítico é profundo, pois lida com a estrutura e não com o sintoma, como eu disse anteriormente, então não há como ser algo breve, apesar de termos exemplos descritos em literatura, de brilhantes trabalhos psicanalíticos breves. E considerando que nossas vivências e experiências são uma rede indissociável de fenômenos, é mesmo possível que não se veja perfeitamente, até porque isso não se mensura mesmo, se houve realmente uma influência positiva do analista na vida do analisando, pois este vai mudando vagarosamente de postura frente à vida, em busca da independência e da saúde, a cada experiência transformadora de uma sessão psicanalítica.
A síntese entre a religião e a Psicanálise é algo que não enfurece os psicanalistas, como poderia enfurecer a alguns cientistas, talvez pela Psicanálise não ser ciência, pelo contrário, é um fenômeno digno de ser estudado, pois chama a atenção.
Outro dia mesmo estava eu pensando que o dízimo pago pelos fiéis se aproxima, mutatis mutandi, dos honorários pagos ao analista, no aspecto de pagar um profissional em quem você confia e que está te auxiliando numa cura, pois é inegável que os fiéis que crêem no poder do pastor, saiam do encontro mudados para melhor, ou até curados. Há alguns antropólogos que explicaram isso, xamanismo, válido também para a psicanálise, sem dúvida, e pra muitos outros postos de poder.

Um comentário:

Anônimo disse...

sou ateu. e reconheço que as igrejas prestam um serviço que obedece à lei da oferta e da procura. é elementar, básico. se há prostitutas é porque há homens que as procuram e gostam delas. se há venda de drogas é pelo fato de elas serem procuradas por milhões de pessoas - apesar de toda a propaganda contra estas (refiro-me às ilegais: açúcar é uma droga lícita, e perigosíssima). cada caso é um caso. sempre haverá momentos em que o xamã será mais útil que um médico, e vice versa. talvez o psicanalista seja, hoje, o meio termo entre o cientista e o bruxo intuitivo.