quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

A culpa é da mãe?

Recentemente uma paciente, preocupada com os possíveis efeitos nocivos que poderia causar ao seu filho, que ainda está apenas sendo planejado, pergunta-me, após alguns apontamentos sobre sua relação com a sua própria mãe, "mas a culpa é sempre da mãe?"

Vamos a Freud:

Freud na quarta das "Cinco lições de psicanálise" (1909) fala, entre outras coisas, sobre a etiologia sexual das neuroses, e para tanto, esboça, para uma platéia recentemente familiarizada com a psicanálise, o que ele dirá ser a sexualidade infantil. Dizendo:

"A criança toma ambos os genitores, e particularmente um deles, como objeto de seus desejos eróticos. Em geral o incitamento vem dos próprios pais, cuja ternura possui o mais nítido caráter de atividade sexual, embora inibido em suas finalidades. O pai em regra tem preferência pela filha, a mãe pelo filho: a criança reage desejando o lugar do pai se é menino, o da mãe se se trata da filha."

E ainda:

"É absolutamente normal e inevitável que a criança faça dos pais o objeto da primeira escolha amorosa. Porém a libido não permanece fixa neste primeiro objeto: posteriormente o tomará apenas como modelo, passando dele para pessoas estranhas, na ocasião da escolha definitiva. Desprender dos pais a criança torna-se portanto uma obrigação inelutável, sob pena de graves ameaças para a função social do jovem."

Para Freud, a causa das neuroses está situada nas vivências da sexualidade infantil.

Sobre a sexualidade infantil, Freud vai dizer:

"A principal fonte de prazer sexual infantil é a excitação apropriada de determinadas partes do corpo particularmente excitáveis, além dos órgãos genitais, como sejam os orifícios da boca, ânus e uretra e também a pele e outras superfícies sensoriais. Como nesta primeira fase da vida sexual infantil a satisfação é alcançada no próprio corpo, excluído qualquer objeto estranho, dá-se-lhe o nome, segundo o termo introduzido por Havelock Ellis, de auto-erotismo. Zonas erógenas denominam-se os lugares do corpo que proporcionam o prazer sexual. O prazer de chupar o dedo, o gozo da sucção, é um bom exemplo de tal satisfação auto-erótica partida de uma zona erógena."

Ora, todos os estímulos das zonas erógenas do corpo do bebê ou da criança são feitos ou por ela mesma (auto-erotismo), ou pela mãe, ou pelo pai, ou por algum cuidador. Todas estas figuras estarão diretamente envolvidas nas experiências sexuais infantis de qualquer pessoa, influenciando necessariamente no aparecimento de uma neurose, psicose ou perversão. A maioria das pessoas tornam-se neuróticas, ou seja, têm uma forma sofrida de lidar com a realidade.

Então não há como dizer que as primeiras pessoas que têm contato direto com o bebê e com a criança não estejam diretamente implicadas no surgimento dos sofrimentos psíquicos do adolescente e do adulto, não dá pra ser de outra forma.

Mas seria isto culpa? Não gosto de tomar as coisas por esta perspectiva.




quarta-feira, 2 de novembro de 2011

O poeta e o fantasiar

O poeta e o fantasiar. O desdobramento dos sentidos nos sonho e na poesia.

Chega mais perto e contempla

as palavras.

Cada uma

tem mil faces secretas sob a face neutra

e te pergunta, sem interesse pela

resposta,

pobre ou terrível, que lhe deres:

Trouxeste a chave?”

Drummond1



Em seu ensaio de 1908 “O poeta e o fantasiar”2, Freud compara os poetas aos sonhadores e suas criações com os devaneios.

O poeta – Dichter, na língua alemã – é aquele que condensa3 (Dichter = condensare), e a condensação é, no sonho, semelhante à metáfora e metonímia da poesia, ou seja, na transformação dos pensamentos oníricos em conteúdo onírico ocorre necessariamente uma compressão de volume, uma condensação, em graus variáveis de um sonho para outro.

Na condensação, segundo Laplanche e Pontalis, “uma representação única representa por si só várias cadeias associativas” e “traduz-se no sonho pelo fato de o relato manifesto, comparado com o conteúdo latente, ser lacônico: constitui uma tradução resumida.” – assim, por exemplo num sonho de Freud, os pensamentos oníricos expressos nas palavras “Autor”, “Autodidakt” e “Lasker” são sintetizados na forma condensada “Autodidasker”, inexistente na língua alemã.

A condensação torna-se possível nos sonhos pelo fenômeno da sobredeterminação, em que diversos pensamentos oníricos encontram sua expressão em um único elemento onírico, ao passo que um mesmo pensamento onírico pode estar expresso em vários elementos oníricos, criando-se entre eles um cruzamento múltiplo, uma trama. O fenômeno da sobredeterminação nos sonhos é análogo ao que ocorre na poesia onde, segundo Jakobson4, “se projeta o princípio constitutivo da equivalência do eixo do paradigma no eixo do sintagma, com a conseqüente explosão da linearidade deste.”, ou seja, onde se pode, com uma palavra, dizer o que ela comumente significa e ao mesmo tempo dar a ela um sentido pouco comum, particular.

Bosi5 acredita que a condensação e o deslocamento descritos por Freud representam um esforço no sentido de demonstrar que uma imagem não se reduz a uma mera expressão de um desejo, mas que trabalha com outras imagens a fim de cumprir o seu destino, ou seja, "exibir-mascarar o objeto do prazer ou da aversão".

Pode-se dizer que a plurissignificação do texto poético corresponde à sobredeterminação de conteúdos latentes no sonho ou devaneio. A metáfora junta em um só elemento (ou imagem) vários conteúdos latentes, o que sugere uma relação com o mecanismo da condensação. Seria possível, ainda, uma aproximação da metonímia, onde a ligação de contigüidade está em evidência, com o deslocamento.

Segundo Freud (1900), faz parte da elaboração onírica o que o sujeito diz sobre seu sonho, a elaboração secundária (processo secundário), suas associações. A elaboração secundária, uma última operação do trabalho do sonho é devida à intervenção do pré-consciente que remaneja o sonho para lhe dar uma "fachada" mais coerente e aceitável. A mesma operação se realiza mais uma vez quando se relata o sonho. E é no relato e na análise do sonho que se torna possível discernir quais elementos se condensaram em uma imagem onírica, e de que desejo essa condensação fala.

Pontalis em “Entre o sonho e a dor”6 toma a idéia da necessidade que continuamos tendo, desde a infância, de fantasiar, de sonhar, e por que não de poetizar?

Concordamos com Gurfinkel7 quando diz: “ É de fato admirável o trabalho que o psiquismo se dá para criar um belo jogo de palavras... ou um belo sonho!”



1ANDRADE, Carlos Drummond. Procura da poesia. In: A rosa do povo. Rio de Janeiro: José Olímpio, 1973.

2FREUD, S. O poeta e o fantasiar. ESB. Rio de Janeiro: Imago, 1980. v. IX

3POUND, Ezra. ABC da literatura. São Paulo: Cultrix, 1997. apud MORAIS, MBL. Poesia, Psicanálise e ato criativo: uma travessia poética. Estudos de Psicanálise. n. 29. Rio de Janeiro.

Pound diz que a poesia é a mais condensada forma de expressão verbal [e que] Basil Bunting, ao folhear um dicionário alemão-italiano, descobriu que a ideia da poesia como concentração é quase tão velha quanto a língua germânica. ‘Dichten’ é o verbo alemão correspondente ao substantivo ‘Dichtung’, que significa ‘poesia’, e o lexicógrafo traduziu-o pelo verbo italiano que significa ‘condensar’.

4Apud Castro, JCL. O inconsciente como linguagem. De Freud a Lacan. Cadernos de Semiótica Aplicada Vol. 7.n.1, julho de 2009.

5 BOSI, A. O ser e o tempo da poesia, 6a. ed., São Paulo: Companhia das Letras, 2000. (p.26)

6PONTALIS, J-B. Entre o sonho e a dor. São Paulo: Ideias e letras, 2005. (p. 49)

7GURFINKEL, D. Sonhar, dormir e psicanalisar: viagens ao informe. São Paulo: Escuta/Fapesp, 2008. (p.306)

sábado, 20 de agosto de 2011

O sonho e a poesia

Pois não é que às vezes sinto-me, lá em minha poltrona, detrás do divã, fazendo poesia...

E não é pelas belas palavras (não se diz poeta aquele que emite belas palavras?) que sim, às vezes até saem, mas é pela coisa de tentar pôr em palavras o pensamento, de tentar tocar o outro com a palavra dita, como se eu pudesse dizer a mais perfeita tradução do que pensei e do que o outro pode compreender, e com isso entrar no universo do outro, fazer parte, transformá-lo. Não será este o anseio do poeta?

A palavra sai tentando se fazer entender, mas sempre falta, sempre deixa brechas... uma ausência que acaba sendo preenchida com sentimentos, lembranças... Porque no que se diz sempre está contido o que não foi dito e nosso desejo completa o dito com o não dito, tampa buracos. Tampa? É de buracos que somos feitos. Não pode ficar o dito pelo não dito, há que se insistir, fazer disso tarefa contínua do dizer-se. Nesse sentido o poeta faz algo muito diferente do analista, o primeiro deixa muitos não ditos, o segundo precisa tudo dizer.

Na incontinência da palavra

ficam buracos,

fica o não dito,

o sentido,

sentimento buscando sentido,

direção,

descarga de libido.

O sonho é uma poesia que ainda está no pensamento, boiando... E no exato momento em que a gente conta um sonho, a imagem, o pensamento, a sensação ganham um tanto de sentido, mas noutro tanto se perdem, viram fumaça. A palavra não pode conter o sonho. Nem a poesia. [talvez]Só a análise.


terça-feira, 7 de junho de 2011

Sobre a dinâmica da transferência

"Deve-se compreender que cada indivíduo, através da ação combinada de sua disposição inata e das influências sofridas durante os primeiros anos, conseguiu um método específico próprio de conduzir-se na vida erótica... Isso produz o que se poderia descrever como um clichê estereotípico..." - Freud (1912)

Com esta frase que inicia o texto "A dinâmica da transferência", Freud explicita o mecanismo neurótico da repetição - o clichê estereotípico da vida erótica do indivíduo, para introduzir o conceito de transferência, um fenômeno que então se atualiza e portanto se repete na interação analista-analisando.

Segundo Laplanche e Pontalis, transferência designa em psicanálise "o processo pelo qual os desejos inconscientes se atualizam sobre determinados objetos no quadro de um certo tipo de relação estabelecida com eles e, eminentemente, no quadro da relação analítica." E segue. "Trata-se aqui de uma repetição de protótipos infantis vivida com um sentimento de atualidade acentuada."

Poderíamos dizer que o neurótico só produz a transferência pois de alguma forma busca inconscientemente reviver uma situação infantil, principalmente a ocasião da satisfação plena simbiótica.

Ocorre que a busca incessante e repetitiva do neurótico pela satisfação plena não tem fim, pois não é possível replicar a satisfação primordial. O desejo então não finda. O objeto da pulsão figura como uma eterna miragem. Como aquela caricatura do burro que corre atrás da cenoura presa diante e distante de sua fronte.

Ora, é por isso que na análise, a identificação da transferência permite um manejo técnico onde o analisando terá a oportunidade de romper com a repetição, ou ao menos refletir sobre a iminência da repetição. A análise permite uma não alienação acerca destas repetições e dos seus porquês, o que amplia a condição de liberdade do indivíduo.






segunda-feira, 18 de abril de 2011

A bissexualidade inata

Em cartas trocadas com Freud, Fliess introduz a idéia da bissexualidade inata. Freud desenvolve esta idéia nos "Três ensaios sobre a teoria da sexualidade", segundo a qual todos nascemos com uma predisposição à bissexualidade, e ao longo do desenvolvimento, acabamos por reprimir o desejo pelo mesmo sexo (tornando-nos heterossexuais) ou o desejo pelo sexo oposto (tornando-nos homossexuais). E seguimos carregando vestígios e aspectos da sexualidade que foi reprimida, devido à predisposição para a bissexualidade.

Torna-se difícil afirmar que uma repressão possa ser completa, portanto estes vestígios ora são muito tênues, ora são bem acentuados, mas estão sempre lá.

Ocorre que ao perceber em si que há um traço de desejo homossexual, muitos tendem a passar por uma espécie de crise.

Um dos melhores lugares para procurar nestes momentos é um consultório de um analista, em muitos outros lugares (não são todos os outros lugares, é claro) poderá se encontrar preconceito e hostilidade, acusação e culpabilidade.
De antemão, é preciso saber que sentimentos de desejo para com o mesmo sexo estão em todos nós, mais ou menos reprimidos.

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Por que a hipnose foi abandonada por Freud

Freud formou-se em medicina em 1881 e após trabalhar como anátomo-patologista, especializa-se em neuropsiquiatria. Faz um estágio em Paris, com Charcot, médico influente que fez muitos adeptos da hipnose, muito por conta de seu método que mais poderia ser comparado a um espetáculo. Charcot reunia um grande grupo de espectadores médicos e lhes apresentava o funcionamento da hipnose utilizando uma de suas pacientes e também médicos voluntários da platéia, retirava sintomas (paralisias, cegueiras, tremores...) como se fosse mágica, mas era ciência, era a comprovação da existência de um inconsicente.
Freud então teve um contato especial com a hipnose, que lhe pareceu a opção perfeita de tratamento para a histeria, afecção sem etiologia orgânica que incomodava médicos da época.
Em 1886 abre seu consultório em Viena, onde aplica a hipnose nas pacientes histéricas.
Ocorre que Freud começa a verificar que a hipnose surtia efeito apenas temporário para a retirada dos sintomas histéricos. Logo eles retornavam ou iguais, a mesma paralisia, ou o mesmo tremor; ou diferentes, surgia um tremor sem etiologia orgânica em quem estava com paralisia antes da hipnose, por exemplo. Freud então constatou que a hipnose apenas servia para provar que conteúdos podem ser armazenados em um local da mente, o inconsciente e que este inconsciente pode ser mexido.
Freud então começou a se dedicar a maneiras de tornar conscientes os conteúdos inconscientes que causavam sintomas. Foi então que transitou do método catártico para o método da associação livre, após abandonar completamente a hipnose.
O que podemos nos perguntar é se a hipnose que se utiliza hoje em dia tem alguma finalidade.
Comentários?

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Slavoj Zizek, Freud, Lacan e a realidade do gozo obrigatório

"Restam somente duas teorias que ainda indicam e praticam essa noção engajada de verdade: o marxismo e a psicanálise. Ambas são teorias de luta, não só teorias sobre a luta, mas teorias que estão, elas mesmas, engajadas numa luta: sua história não consiste num acúmulo de conhecimentos neutros, pois é marcada por cismas, heresias, expulsões. É por isso que, em ambas, a relação entre teoria e prática é propriamente dialética; em outras palavras, é de uma tensão irredutível: a teoria não é somente o fundamento conceitual da prática, ela explica ao mesmo tempo por que a prática, em última análise, está condenada ao fracasso – ou, como disse Freud de modo conciso, a psicanálise só seria totalmente possível numa sociedade que não precisasse mais dela." Slavoj Zizek

Zizek é um sociólogo, filósofo e crítico cultural esloveno.

Nasceu em Liubliana, na antiga Iugoslávia (hoje capital da Eslovênia). Doutorou-se em Filosofia na sua cidade natal e estudou psicanálise na Universidade de Paris.

É professor da European Graguate School e pesquisador sênior no Instituto de Sociologia da Universidade de Liubliana. É também professor visitante em várias universidades nos EUA, entre as quais estão a Universidade de Columbia, Princeton, a New School for Social Research em Nova Iorque, e a Universidade de Michigan.

Zizek é conhecido por seu uso de Jacques Lacan numa nova leitura da cultura popular - como por exemplo, Alfred Hitchcock, David Lynch, o fundamentalismo e a tolerância, ideologia e subjetividade em tempos pós-modernos, entre outros.

Em 1990, candidatou-se à presidência da República da Eslovénia, perdeu a eleição e a partir de então continuou dedicando-se exclusivamente a produção intelectual.

Segundo ele, a psicanálise é um discurso que não impede de gozar (obter satisfação), mas que permite justamente não gozar. Você pode gozar, mas não sob a forma de uma regra, de uma interiorização 'superegoica' . Por isso, o pensamento freudiano (ou freudo-lacaniano) é mais atual do que nunca.

Numa realidade em que o gozo é obrigatório, surgem os sintomas desta interiorização superegóica, onde a psicanálise pode se inserir e realizar ressignificações, e no lugar da cobrança "eu tenho que ter isso e ser aquilo", abre-se a possibilidade do "eu não tenho que ter isso ou ser aquilo".

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

O desejo e os sintomas

Wunsch = do alemão, significa desejo, designa sobretudo aspiração.

Laplanche e Pontalis nos dizem que o desejo inconsciente tende a realizar-se restabelecendo os sinais ligados às primeiras vivências de satisfação (que são experiências de apaziguamento de tensões internas criadas pela necessidade).
Ou seja, nós tentamos nos satisfazer tentando obter novamente aquela satisfação primária de uma primeira mamada no seio de nossa mãe. É uma busca bem frustrante, pois quando bebês nós sentimos o seio de nossa mãe como parte de nós e que está ali para nos satisfazer.
Enquanto adultos, a busca por satisfação requer muito mais esforço e nós vamos nos dando conta disso desde muito pequenos, e isso é bom.
Na realidade nós permanecemos com nossos desejos inconscientes de plena satisfação durante toda a vida e é exatamente pelo fato de a realidade não permitir que nos satisfaçamos plenamente que criamos nossos sintomas neuróticos. E somos praticamente todos neuróticos.
É num processo de análise que podemos reconhecer nossos sintomas para que então possamos aprender a lidar com eles com menos sofrimento e angústia.
Nunca é demais ressaltar, o processo analítico traz inúmeros benefícios.