terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Da escolha autêntica no amor


Para fazer uma escolha autêntica é preciso um profundo auto-conhecimento. Algo pelejado, burilado, entalhado com as próprias mãos.

Mas como gerar auto-conhecimento na presença do outro? Como olhar pra dentro de si enquanto outro olho te admira e te mede? Há que se levar em conta o olhar do outro? Caso leve, onde vai parar sua autenticidade? Se perde? 

Seria então o isolamento a melhor forma de auto-conhecimento? Mas então não se corre o risco de acabar se apaixonando por si mesmo? De tanto burilar e pelejar para nascer de dentro de si, o fruto deste árduo trabalho de parto não acaba se tornando seu único e mais estimado tesouro? 

Quando o encontro de outro olhar penetra, quando na plenitude de um encontro há abertura para deixar o outro entrar, ocorre uma experiência inautêntica?

Acho que não!

É preciso cuidar de si para amar sem se perder. E não é preciso se isolar para se encontrar. Delicado equilíbrio...

Quando se espera que o outro faça algo, e até mude, para nos satisfazer, não se pode enxergar o outro, só vemos a potencialidade que ele nos reserva para nos satisfazer. É difícil buscar ser seguro e convicto, desejar mudar só a si e então relacionar-se autenticamente com alguém pleno e seguro de si a quem você não deseja mudar. É difícil abandonar o lugar de ser satisfeito por outro e assumir o lugar de buscar se satisfazer consigo. Quando nos posicionamos exigentes só com o outro, nos abandonamos, nos tornamos inautênticos, pois nosso desejo se torna exclusivamente ser satisfeito pelo outro.

Abandonar esse lugar é libertador, pois então você agarra as rédeas de seu próprio desejo e ele diz respeito só a você. O desejo pelo outro se torna complementar...

Como diz Clarice "Não procure alguém que te complete. Complete-se a si mesmo e procure alguém que te transborde."




quarta-feira, 3 de outubro de 2012

A metapsicologia do luto e melancolia

A metapsicologia freudiana pretende a descrição dos processos mentais a partir dos pontos de vista topográfico, dinâmico e econômico.
Os textos metapsicológicos de Freud são:
- Introdução ao narcisismo - 1914
- Pulsões e destinos da pulsão - 1915
- O recalque - 1915
- O inconsciente - 1915
- Complemento metapsicológico à teoria dos sonhos - 1917
- Luto e melancolia - 1917

Luto é um sentimento normal diante da perda de alguém ou de algo que seja valioso para o indivíduo, afeta todas as pessoas em algum momento de suas vidas, e é até necessário para que se possa realmente elaborar a perda e seguir em frente, à procura de objetos substitutos que ocupem o lugar do que/de quem foi perdido. O luto bem elaborado culmina com o resgate da libido e nova possibilidade de investimento.
Mas o luto pode se cronificar tornando-se melancolia. A melancolia é descrita por Freud como um quadro de suspensão de interesse pelo mundo externo, de acentuada diminuição da auto-estima, podendo até mesmo chegar a uma expectativa delirante de punição.
O melancólico se identifica com o objeto perdido, e a célebre frase "A sombra do objeto se abateu sobre o eu" descreve os estados depressivos hoje em dia.
A depressão e a melancolia estão ao menos um grau acima em relação à tristeza e comprometem a vida dos afetados de modo mais grave.
Freud destaca a apatia, o desinteresse, a anestesia sexual, o empobrecimento da excitação, que associa, à época, a uma hemorragia interna, como se a energia libidinal escoasse através de um ralo na esfera psíquica, daí a perda de vitalidade e o desinteresse pela vida.
Tanto no luto quanto na melancolia há sofrimento, no entanto no luto é clara a perda em questão, mas na melancolia não. "a pessoa sabe quem perdeu, mas não o que perdeu nesse alguém." (1917, p.243)
No luto o mundo se torna pobre e vazio, na melancolia o próprio eu do sujeito sofre esse processo de empobrecimento, esvaziamento e aridez.
O paciente melancólico se desvaloriza e auto-recrimina. Freud comenta que intervenções no sentido de tentar abrandar o discurso do paciente, defendê-lo de algumas de suas auto-acusações, se mostram inúteis e anti-terapêuticas, é preciso entender e dar espaço para que o paciente diga de si, e o analista deve entender qual a dinâmica fantasiosa em torno de sua auto-recriminação.
Neste texto, Freud ainda não tinha elaborado a segunda tópica, mas começa a compreender que há uma instância crítica que se coloca contra o Eu, o que viria a ser chamado depois de Superego.
Na melancolia, o melancólico não consegue simbolizar a perda, o que permitiria algum tipo de cicatrização, é como uma ferida aberta... Há uma extraordinária diminuição do sentimento de si, como se o melancólico estivesse destituído de auto-estima.
Pensando no homem contemporêneo, este sente-se insuficiente diante das pressões da competitividade econômica e das exigências de gozo que permeiam as relações afetivas. O deprimido de hoje não procura restaurar seu amor-próprio com objetivpo de cura, procura uma imagem ideal que o satisfaça e tenta se elevar a altura do ideal... o que é impossível, frustrante, traumatizante... O deprimido de hoje é capturado pela própria insuficiência.
A tecnologia de hoje aponta para superações do impossível, mudando radicalmente a dinâmica da castração, como se não houvesse limites. O luto fica sendo algo vivido como uma perda que poderia ser revertida, o que não ajuda nada no processo de elaboração.
As perdas ocorrem, apesar dos avanços tecnológicos...


Bibliografia - Nina Saroldi, Sigmund Freud e Jean-Michel Quinodoz

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Reflexões psicanalíticas sobre o filme "Intocáveis"

O filme "Intouchables" de Olivier Nakache e Eric Toledano retrata de forma muito bem humorada a história real da relação entre um homem tetraplégico e seu cuidador.




 
O filme nos põe a pensar em muitas questões, desde a fragilidade do corpo e sua ressignificação pós trauma até a questão racial em sua crueza. No entanto sugiro irmos aqui por um caminho que nos leve a pensar o título do filme: Intocáveis. Algumas cenas são memoráveis, como aquela em que Driss (Omar Sy) derrama água quente nas pernas de Philippe (François Cluzet), como que para se certificar de que Philippe não pode mesmo sentir nada; outra cena é aquela em que Driss toma Philippe nos braços e se põe a dançar com ele, sendo seus braços e pernas. Podemos pensar em como tocar alguém que não pode sentir, mas também como tocar alguém que não se deixava tocar? Alguém que não conseguia uma chance de trabalho, alguém que só precisava de um atestado de que teria estado ali para então continuar recebendo seu auxílio desemprego do governo... Pessoas que estavam acostumadas a não serem tocadas por outras, por não serem vistas como pessoas que pudessem sentir, pessoas intocáveis. Ambos passam a estabelecer uma troca de ordem inicialmente muito prática e superficial, mas que vai se aprofundando e ganhando um sentido bem mais amplo.
O que se percebe ao longo do filme é a intensidade da relação entre os dois, que como numa relação transferencial positiva, permite que se alcance bons resultados na interação, na relação terapêutica... que não é só de Driss com Philippe, mas de Philippe com Driss também. Ambos tocam a vida um do outro de forma indelével.
Philippe não queria mais ser tratado com a assepsia, o desinteresse, a distância de seus cuidadores, e Driss não queria mais passar desapercebido... ele se levanta e não só quer seu atestado, mas quer ser notado, e é!
A interação entre os dois fala de algo extraordinário que é um encontro! Um encontra no outro algo que imprime uma espécie de "sentido da vida"! Nesta interação foi possível um tocar o outro sem preconceitos que se interpusessem na relação, que se impusessem a priori.
Uma das mais belas coisas da vida é esse tipo de encontro!
 

segunda-feira, 12 de março de 2012

Reportagem no portal Terra - Vila Mulher

Hoje saiu uma reportagem sobre casamento, tirada de uma entrevista que dei à repórter Bianca de Souza. O conteúdo completo da entrevista está aqui:

Entrevista para o site Vila Mulher

VM-Você acredita que se casar com o primeiro namorado pode diminuir as chances de um casamento longo?

O que vai determinar se um casamento será longo ou não, são inúmeras variáveis, desde a disposição e maturidade de se engajar num relacionamento com aquela pessoa, até a capacidade para lidar com os problemas do dia-a-dia. Não é só o fato de ter sido com o primeiro namorado ou a primeira namorada. É muito difícil generalizar. Mas ... é possível falar em algumas tendências.

Um autor que ficou muito conhecido por seu livro “Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos”, Bauman, coloca a questão de que o mundo moderno está em busca de relações descartáveis, ou seja, a sociedade consumista impõe que busquemos sempre algo novo e diferente ao invés de aceitar com maturidade as diferenças do que se tem, e nesta lógica estaríamos propícios a querer estar com alguém diferente a qualquer momento. E é difícil negar que estejamos vivenciando essa lógica do descartável, e por esta via, os jovens que casam-se com os primeiros namorados, tenderiam a desejar estar também com outras pessoas num futuro, o que resultaria em relação extraconjugal ou dissolução do casamento.

Então hoje é possível pensar “ah, eu vou casar, e se não der certo, eu separo.” O que não era muito pensável há 40 anos atrás.

No entanto volto a afirmar, isto pode ser visto como uma tendência, mas não reflete inteiramente a multiplicidade e complexidade das experiências individuais.

VM-Como esse fator pode interferir no destino do casal?

O casal pode, desde cedo, estar muito engajado no relacionamento e seguir com maturidade enfrentando dificuldades e se implicando na resolução de conflitos juntos, e ainda ter uma vida sexual satisfatória que prescinde do desejo de estar com outra pessoa. Mas se um dos dois, ao longo do tempo, ficar insatisfeito com sua escolha conjugal, se houver desejo de conhecer outras pessoas ao longo desta união, vai se colocar uma questão que pode de fato interferir no destino deste casal enquanto casal.

Num relacionamento é impossível afirmar que haverá capacidade de ambos de lidar com os problemas e com o eventual desejo de conhecer outras pessoas, e isso pode se agravar quando se trata de um primeiro relacionamento, onde as pessoas estão conhecendo a si mesmas e ao outro, e conhecendo seu modo de interagir com o outro.

O fato de não ter conhecido outros homens pode gerar um dúvida sobre os sentimentos da esposa pelo companheiro, após anos de casamento?

Não ocorre com todas as mulheres, mas é muito comum. As dúvidas não são só dos sentimentos da esposa pelo companheiro, ou seja, pôr em questão se ela sentiria mais ou menos desejo e atração por outro homem que não seu companheiro, mas também dela se questionar se seria atraente para outro homem também, além do seu companheiro, se o seu companheiro se sente atraído por outras mulheres, são vários os questionamentos. E os casais que lidam com isso, tentam resolver isso de diversas formas... às vezes não lidam, negam pra si mesmos que exista alguma dificuldade, às vezes cada um busca sozinho conhecer outras pessoas numa relação extraconjugal, sem lidar com isso dentro do relacionamento. E lidar com isso dentro do relacionamento pode implicar ter que pensar em não estar mais com aquela pessoa com quem se casou e isto se torna às vezes algo muito difícil de se enfrentar.

VM-Isso tem o mesmo efeito sobre o homem, aquele que se casa com a primeira namorada?

Sem dúvida, da mesmo forma, as mesmas questões. Quando existem...

VM-Há alguma recomendação para casais nestas situações. Por exemplo, terapia de casal ajudaria?

A terapia de casal pode ajudar muito sim, auxilia o casal a encontrar saídas para suas dúvidas e sofrimentos, ajuda a amadurecer e enfrentar os problemas juntos quando a disposição de ambos é esta, mas nem sempre é... e as vezes a saída escolhida pelo casal é mesmo se separar e buscar ser feliz sozinho ou com outra pessoa. E a terapia ou análise individual são muito importantes, mesmo se a pessoa já tiver passado por terapia de casal, ou ao invés da terapia de casal, pois muitas vezes é difícil expor estar questões pro parceiro ou parceira e são necessários momentos de reflexão consigo mesmo, até pra reconhecer seus desejos e dúvidas.

Daniela Smid Rodrigues é psicóloga formada pela USP, psicanalista e tem especialização em sexualidade. Seu consultório fica em Pinheiros, São Paulo. E-mail para contato, duvidas ou agendamento de consultas: daniela.smid@gmail.com

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Terapia, análise, psiquiatra, psicanalista... diferenças, semelhanças...

Há, no meio leigo, muitas dúvidas sobre as diferenças que existem entre terapeuta, psicólogo, psicanalista, psiquiatra, terapia, análise... essas coisas.
Hoje em dia, chama-se terapeuta aquele que fez qualquer formação acadêmica (mais comumente na área de saúde ou assistência social) e depois fez um curso de pós graduação especializando-se em algum tipo de terapia, como por exemplo terapia de casais, hipnoterapia, etc.
Chama-se psicólogo aquele que fez uma faculdade de Psicologia e se filia a um conselho regional dos psicólogos que orienta e dá diretrizes para sua atuação. O psicólogo, se quiser atuar em consultório, pode se especializar em algum tipo de terapia e ser um psicólogo dito clínico e terapeuta.
O psicanalista pode ter feito praticamente qualquer graduação (inclusive Psicologia, então ele será psicólogo e psicanalista), contanto que depois ele faça uma formação em Psicanálise, faça sua análise pessoal, ou seja, tratar-se com um psicanalista, e faça supervisão de seus casos com um analista (ou psicanalista, é a mesma coisa) mais experiente.
O psiquiatra fez medicina e residência em Psiquiatria, ou seja, é um médico psiquiatra.
Todo tratamento com quaisquer um deste profissionais vai se configurar como uma terapia, por seus efeitos pretensamente terapêuticos. No entanto a terapia feita com um psicanalista, irá se chamar análise.
Agora, tratando mais deste termo análise, significa exatamente desdobrar os sentidos e significados, esmiuçar os afetos e os desejos, analisar, o contrário de sintetizar...
É muito comum que psiquiatras e psicólogos recorram à Psicanálise para auxiliá=los em suas clínicas, pois a Psicanálise oferece uma técnica que permite um aprofundamento no sintoma, que muitas vezes é o meio que mais pode se tornar fértil na tentativa de eliminação deste.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

O corpo erógeno na neurose e na perversão

Na psicanálise existe um modelo conceitual que define três estruturas de personalidade, que seria: neurose, psicose e perversão. Cada uma destas estruturas é definida na clínica tendo como base a maneira como o paciente passou pelo Édipo, e portanto, a forma de lidar com a castração.
Grosso modo, na neurose, o indivíduo sabe que existe a castração, mas não a aceita em si, o sujeito tem dificuldades em lidar com a falta e com os seus limites. Na psicose, há a falta da inscrição da experiência de castração, o sujeito não introjeta a possibilidade de castração e de limite, acarretando uma indiferenciação eu-outro. Na perversão, há a recusa da castração, o sujeito acha que pode tudo, que não há limites.
Quando Freud escreve "Os três ensaios sobre a teoria da sexualidade" em 1905, dirá que a neurose é o negativo da perversão, o que significa dizer que no que diz respeito
á sexualidade do neurótico e do perverso, o primeiro recalca aquilo o que o segundo atua.
Estas estruturas psíquicas não são rígidas ou puras no indivíduo, no neurótico podem existir traços perversos e/ou psicóticos, e as mais diversas combinações podem ocorrer.
Interessa-nos neste momento salientar a perversão e o corpo erógeno do perverso.
Para explicar as fases do desenvolvimento sexual infantil, Freud irá dizer que num primeiro momento, a criança funciona de forma auto-erótica e perverso-polimorfa, para depois desenvolver sua sexualidade para narcísica e objetal, no período adulto. Ou seja, primeiro, o corpo é inteiro erógeno, todas as partes do corpo infantil são passíveis de obtenção de prazer, e ao longo do tempo, a tendência é que o sujeito concentre seu erotismo na zona genital.
Ocorre que esta passagem é muito mais teórica do que prática. É claro que a maioria das pessoas na fase adulta não sentirá todas as partes de seu corpo como zonas erógenas, mas também não abandonará por completo algumas zonas estimuladas na infância, e não terá como única zona erógena os genitais.
A partir disso, podemos perceber que o corpo do neurótico e do perverso são semelhantes, guardando a capacidade de erogeneizar várias partes do corpo como coincidência.
Certamente veríamos outros aspectos que diferenciarão o neurótico do perverso, mas há uma possibilidade de enxergar essa semelhança.
Isso se torna claro na clínica e Freud já havia afirmado isso no "caso Dora" quando disse que não conhecemos os limites da vida sexual normal e que portanto, não deveríamos nos referir com indignação às perversões sexuais.